Era segunda, quando escrevi pela última vez. Estava em Campinas, longe da minha família, dos meus amigos e, principalmente, longe do meu amor. Fosse qualquer outra semana, a saudade seria o que pautaria qualquer coisa que fosse escrever. Só que essa semana foi simplesmente a que marcou na história: na do Inter, na minha e na de cada Colorado espalhado pelo mundo. Era natural que houvesse um temor ante o jogo que levaria o Inter à grande final. Provavelmente contra o temível Barcelona, de Ronaldinho, Deco e companhia.
O temor se confirmou e passou. O Barcelona se confirmou e se tornou mais temível ainda, ao aplicar 4 x 0 no América com uma apresentação de luxo com a maioria das jogadas passando pelo Ronaldinho. Se o time catalão assustava, agora ele parecia ignorar qualquer um que se atrevesse a enfrentá-lo.
Apesar de estar às vésperas do maior jogo da história do Inter, mantive-me estranhamente calmo. Consegui não ficar preocupado. No fundo acho que eu gostaria mesmo era de estar ansioso, nervoso, quem sabe até roendo as unhas. Mas não. A leveza estava instaurada, e – exceto alguns flashes de arrepio por tomar consciência do momento – o tempo passou tranqüilamente até a noite do sábado.
Um desses momentos foi na tarde de sexta. Eu voltava do centro ouvindo a Continental. Nada a ver com clima de jogo. Os vidros do carro estavam fechados e eu não ouvia nenhuma possível manifestação da rua. Então começou aquele solinho de teclado em melodia quase infantil seguido de uma lenta marcação longa e contínua de um baixo. Inconfundível! Aquarela do Toquinho. Não sei por que, mas senti um fio de gelo percorrer cada um dos meus braços fazendo eriçar cada ínfimo pêlo e toda frase da música teve um sentido naquela hora.
Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo – a Terra e o sol nascente, tudo numa folha, palpável. ...é fácil fazer um castelo – o poderoso castelo do Barcelona. E com o lápis em torno da mão foi feita a luva de um arqueiro. Com ou sem chuva não apenas um pinguinho caiu no pedacinho azul do papel, e uma linda gaivota voou para anunciar a grande conquista. E ela foi, pelo Hawaii, Pequim e Istambul, num barco a vela, num beijo azul: um beijo frio de tchau, de despedida àqueles que ousassem contemplar o vôo da gaivota sem fazê-lo por merecer.
O lindo avião rosa e grená do Barcelona era realmente lindo, um time com tudo em volta colorindo e muitas luzes a piscar. Mas se Deus quisesse ele iria pousar porque a vez de decolar era nossa. O nosso navio de partida tomaria asas com todos nossos amigos bebendo de bem com a vida, e agora o mundo estava ao alcance de um traço. O traço que o contestado Adriano riscou desde antes do meio do campo cruzando o campo na velocidade de quem estava predestinado a fazer história. Foi o menino que caminhou e caminhando chegou no muro. Ali logo em frente a esperar pela gente o futuro estava.
Sem tempo nem piedade nem hora de chegar, sem pedir licença muda nossa vida e depois convida a rir ou chorar. E foi assim aquela sexta-feira. A dois dias do jogo ouvi a música que me deu todo este significado. Obviamente sem a parte do Adriano. Mas no lugar dele estava o jovem Pato. E hoje vejo que poderia ter sido qualquer um, que pouco importava quem fizesse aquele maravilhoso gol.
Um dia por certo essa linda Aquarela descolorirá. Será quando nossos olhos fecharem, enfim. E toda nossa glória em lembrança se guardará em tons de cinza, por toda a história.
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