Os cães latiam como sempre. O Duque mais forte, mesmo cego, o Sultão um pouco menos, mas por mais tempo. Acho que não era fome, os potes ainda tinham bastante ração.
Como pode ter sido essa a casa em que vivi? Como posso ter me acostumado a um ambiente tão cheio, tão carregado? Uma coisa eu sempre soube: que guardávamos mais do que o útil e que o inútil. Assim não me espantei ao ver que deixaram bananas maduras na cesta de frutas sobre a mesa. O cheiro da casa toda é como uma mistura da minha infância com um cheiro de vó que não conheci. Um cheiro velho.
Uma das minhas atribuições no trabalho é vistoriar prédios e instalações e listar todas as pendências e melhorias possíveis. No meu cotidiano consigo não levar esse olhar à procura de defeitos para a minha casa e para os lugares que não o meu expediente. Mas ali na casa dos meus pais não pude fugir à pergunta de como faria se tivesse que deixá-la limpa, apreciável.
Dei mais uma volta pela casa, completei os potes com ração, me despedi dos cães e saí.
Agora a tarefa era o presente do meu pai. O que poderia esperar um homem aos 81 anos. Confesso que há uma tendência inicial em tratá-lo como uma criança. Muitas coisas dificultam: ele não lê livros, não assiste a filmes, não ouve cds, nada cultural. Não usa perfumes.. Queria algo diferente da cadeira de praia do Natal. Se os 80 anos foram uma marca forte, cada ano a mais é como mais um brinde. À vida. Mais uma saideira daquelas noites em que se fecha o bar com os amigos, sempre espiando o garçom e esperando que não comece a levantar as cadeiras e recolher as mesas. Aquela saideira que se sabe – não é a última.
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