Wednesday, February 15, 2006

Cardíaco...

Não me considero hipocondríaco, muito pelo contrário. Eu já nem fico doente pra não ter que tomar remédio. Todo ano temos exame médico periódico aqui na Vivo, mas volta e meia eu mato um. Ninguém merece ficar sugando o sangue do cara.

Pois eis que há uns dois dias senti um “desconforto no peito”. Esse foi o termo médico usado pra umas fisgadinhas que eu senti. Foi bem fraquinho, só que como eu sou muito assustado, achei que tava infartando.

Num movimento leve como braço esquerdo pra trás, consegui amenizar a fisgadinha, mas o sentimento de estar tendo um ataque no coração já se abatia sobre mim. Em segundos todos os sonhos de um lar, uma família, filhos.. aquela gurizada ranhenta correndo no pátio, cachorro, viagens.. todas essas coisas começavam a se apagar.

Já podia me ver sendo levado por uma ambulância e tomando aqueles choques que fazem aparecer até o esqueleto do cara, tipo desenho animado.. tudo isso me passou pela cabeça em instantes. Até que caí na real.. pô, eu não sou gordão, bato uma bolinha toda semana, e tenho 28 anos. A vida não seria tão cruel assim comigo. Voltei a trabalhar. Dei umas apalpadas parecidas com exame de câncer de mama e voltei a trabalhar.

O problema é que o tal desconforto não passou. Fiquei dois dias sentindo essas fisgadinhas de leve e pensando todas aquelas coisas de novo. Vou ter que ir ao médico – pensei. Tenho um futuro promissor, não posso ficar a mercê de um ataque cardíaco repentino.

Ia ter que enfrentar o médico, estava decidido. O trajeto aqui da empresa até o hospital foi em contagem regressiva. Ia ser internado e logo passar por uma cirurgia, certo que ia. Como ia avisar os meus pais? E os shows dos Rolling Stones e do U2? E o carnaval??? O carnaval??? Que hora pra ter um problema no coração. Ia ter que fugir do hospital!

Bolei todo o plano de ação.. eles iam tirar toda a minha roupa e colocar aquele pijama verde-clarinho. Azar.. assim que a enfermeira se distraísse eu ia fugir. Ia sair correndo pelo corredor do hospital até conseguir voltar pra casa. Se quisessem que agendassem a data da cirurgia pra março, depois das festividades.

Cheguei no hospital. Meu coração palpitava. Talvez fossem suas últimas batidas. Não tive tempo nem de falar com a mãe, a bateria do telefone tava acabando. Celular é um ótimo consolo nessas horas. Parecia que todos me olhavam como um pré-operado. Tanto que cheguei na recepção e fiquei sem falar, queria que o atendente soubesse do meu problema. Respirei fundo e falei o que estava sentindo.

Fui encaminhado para um Clínico Geral. A agonia tomava conta de mim. E ninguém sabia que eu estava ali. Todos iam saber da tragédia de surpresa. Tentei me acalmar. Percebi que eram dois os clínicos que estavam atendendo: um médico e uma médica. Ele careca, com cabelos só dos lados e meio corcunda. Ela muito bonita, cabelo cor de cobre, usava óculos, seios salientes e devia ter uns 30 anos. Os predicados da doutora serviram pra amenizar minha angústia. Queria ser atendido por ela, não pelo careca corcunda. Se alguém fosse me apertar o peito, escutar meus batimentos, que fosse ela.

-Raul Vieira

Era eu! Era ela! A doutora que ia me atender! Num segundo todas as minhas preocupações com o coração deram vez a uma possível investida com a jovem doutora. Já imaginei ela me colocando numa maca e tirando minha camisa, alisando meu peito... sentindo aquele perfume e olhando para aquele batom vermelho encarnado nos lábios grossos... encostando o ouvido no meu peito..

- Meu nome é Aline, pode sentar – falou bem mais séria do que eu imaginava. – Então, Raul, o que tu estás sentindo?
- Ah.. desde ontem estou sentindo.. blá blá blá.. blá blá blá..

Nada de maca, nada de abrir camisa, nada de ouvidinho no peito! Só estetoscópio..

- Olha, Raul.. parece tudo ok, mas vamos fazer um eletro pra não ter dúvidas. Vou pedir pra enfermeira fazer teu eletro e te dar uma medicaçãozinha. Qualquer coisa tu volta aqui.
- Tá..

Fiquei numa salinha esperando até que veio a enfermeira com aquele monte de chupetinhas na mão. Ia ser eu e o Frankstein. A enfermeira não era em nada parecida com a Doutora Aline, não dava pra ter nenhuma segunda intenção. E essa sim, me colocou na maca. Me encheu daquelas chupetas e ligou o equipamento do eletro.

- Dá choque?
- Hahahahahaha, não.

Imprimiu o eletro e me levou pra salinha de medicação. Vários daquelas hastes metálicas pra soro e uns encostos de braço. Será que ia ser uma injeção? Ah não, injeção não! Dito e feito: injeção!

- Eu tenho medo de injeção!!!! – Anunciei.
- Ah é? Pois eu vou te aplicar uma injeção. – Sarcástica!
- Posso não olhar?
- Pode, claro.. fica pensando na vida.

Olhei pro outro lado e ela foi me apertando com aquelas borrachas de soro. Quando vi tinha uma garrafinha pendurada pingando um suquinho verde num caninho até a minha mão. Quase meia hora depois e começou a terminar o líquido, que eu nem sabia o que era. A enfermeira saiu da sala. Tinham mais duas mulheres na mesma situação que eu. Fiquei preocupado se podia acabar o líquido com a agulha fincada na minha mão. Talvez entrasse ar! E agora? Lembrei que num filme do McGiver um cara matou um desafeto aplicando-lhe uma injeção de ar. Eu ia me livrar de um ataque no coração e ia morrer por ar na veia. Precisava fazer alguma coisa. Pensei em arrancar aquela parafernalha toda. E nada de a enfermeira aparecer!

- Olha, o teu vai acabar! – Disse a senhora que estava na minha frente, prevendo o meu fim.
- Eu vi, mas a enfermeira não aparece.

De repente acabou mesmo todo o líquido do frasco e a mangueirinha começou a esvaziar. Cada centímetro que baixava o nível era desesperador. Segurei o esparadrapo, estava prestes a arrancar tudo! Ouva passos no corredor, mas nenhum era da enfermeira! Olhei pra duas senhoras, olhei pra mangueirinha.. quase vazia.. olhei pra porta..

- Oi! Já acabou?
- Já, tá acabando, tá acabando..
- Calma.. ele não desce todo..

Ela tirou a agulha e deixou o algodão. Levei o exame até a Doutora Aline e ela, como já tinha dito, não achou nada de errado com meu coração. Disse que deve ser algo muscular. De qualquer forma elogiou minha atitude de procurar auxílio médico. Disse pra nunca sentir desconforto no peito sem procurar um médico.

Foi só um susto, menos mal. Mas me fez sentir um monte de sensações e medos que não me ocorriam desde criança. E fez também perceber que nossa vida é tão frágil e tão forte, e que nosso coração passa por essas emoções fortes, mas que não superam as sentimentais.

1 comment:

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