Wednesday, April 19, 2006

Herança de mãe...

Minha mãe não sabe, mas ela me deixou uma herança em vida que dinheiro nenhum paga. Na verdade fiquei procurando uso pra essa palavra que só ouvi sendo pronunciada com naturalidade nas novelas da globo nos idos de 80. Nessas novelas em que marmanjos como a Lucinha Lins e o Cássio Gabus Mendes tratam os pais por mamãe e papai, que meiguinho. Pois nessas novelas se falava muito em herança.

A herança a que me refiro, que minha mãe me deixou na infância e que só me dei conta há alguns dias, não tem dólares, nem apartamentos, nem sítios nem haras – aliás, haras é outra coisa que só vi em novela – é uma coisa muito mais simples: me chamar lá do pátio, quando eu estava brincando, pra tomar o café da tarde...

- Raulziiiiiiiiiiiiinho!!! – gritava ela da cozinha.
- Quêêêêê.. mããããe...??? – eu respondia, invariavelmente brincando com meus Playmobil
- Vem tomar café!!!

Na verdade eu já sabia, porque o cheirinho do café passado percorria todos os cantinhos do pátio e invadia até as cozinhas - desprovidas de minha mãe - dos vizinhos, que não se continham e davam uma espiadela por cima do muro, sempre fazendo um comentário..

- Passando um cafezinho, Dona Nair?
- Tô.. daqui a pouquinho minha filha chega do colégio e gosta de tomar um café..

Falavam isso por cima do muro, muitas vezes sem ver umas às outras. Quem mora em casa tem dessas coisas. E era bom aquele café. Posso dizer que até hoje é, mas o segredo estava nas guarnições. Elas é que são minha herança. Naquele tempo o pão não era esse cacetinho amassado que comemos hoje. Era pão de meio e pão de quarto, que o seu Herny, o italiano do armazém, vendia quentinho. Minha mãe servia o café com leite na minha caneca de porcelana, um hábito que tenho até hoje, e cortava o pão de meio, ainda quente, em fatias de dois dedos, e passava a manteiga da Corlac, aquela do papel dourado.

Eu arregalava os olhos pra manteiga que se derretia em cima da fatia do pão e assoprava o café pela borda da caneca pra não queimar a língua. Isso quando minha mãe não inventava de fazer um bolo de laranja, que igual nunca vi. Até hoje o velho pé de laranja ornamenta o nosso pátio e colore-se de laranja em setembro. Minha diversão era colher as laranjas com um artefato de madeira com uma lata de nescau na ponta e depois, fazer delas o suco para o bolo. Lembro que ela dava o toque final no bolo com uma calda de laranja por cima e as raspas da casca que perfumavam toda a casa.

São essas coisas que nenhum hotel de luxo, nenhum restaurante mais requintado, nem mesmo os cafés coloniais de gramado vão conseguir reproduzir. Existia toda a mística que envolve uma criança que brinca no pátio com seu Playmobil e terá o maior prazer em interromper o seu brinquedo, porque tudo o que a rodeia é amor, desde o seu lar, a sua mãe e tudo o que ela faz.

3 comments:

Virgínia Rhodenbusch said...

concordo. e parece que hj em dia não tem mais isso em lugar nenhum. ou sou eu q tô mto urbana ou sem crianças na volta.

Anonymous said...

Raul, tem coisas em nossa vida que só pai e mãe para deixar tão marcado assim. Não vou enumerar as coisas que lembro que minha mãe fazia pra mim e que faz até hoje, para não deixar um livro aqui escrito, mas esse seu psot me fez lembrar diversos momentos da minha vida, principalmente os que eu passava na minha avó, na hora do café da tarde...
Saudades, apenas!
Bjitos querido!

Anonymous said...

Raul, tem coisas em nossa vida que só pai e mãe para deixar tão marcado assim. Não vou enumerar as coisas que lembro que minha mãe fazia pra mim e que faz até hoje, para não deixar um livro aqui escrito, mas esse seu psot me fez lembrar diversos momentos da minha vida, principalmente os que eu passava na minha avó, na hora do café da tarde...
Saudades, apenas!
Bjitos querido!

Minhas fotos no