Eu tinha dez anos e nunca tinho ido a um velório. No dia de finados sempre íamos no cemitério de Canoas, onde estavam os túmulos de dois avós. Mas a enterros e velórios ainda não.
Aos dez anos eu tava na quarta série e tinha aulas de português com a tia Carla Lemos, que era nossa vizinha. Um amor de pessoa. Antes de eu ser seu aluno vivia indo à sua casa brincar com um coelho que ela tinha. Grande, branco e com os olhos bem vermelhos. Depois que passei a ser seu aluno não quis mais ir lá brincar com o coelho. Talvez tenha estabelecido no meu subconsciente uma relação de distância professor/aluno.
Nesse mesmo ano, o marido da dona Carla tava com uns problemas financeiros e deu uma sumida. Todos achavam que ele ia procurar algum tipo de ajuda, pedir dinheiro emprestado, sei lá. Mas simplesmente sumiu e não deu notícias. A dona Carla que tinha qiue se virar desdobrando os credores que não paravam de aparecer, além de não saber mais onde procurar o marido.
O desespero foi tanto, que ela mandou um de seus filhos à praia, ver se ele não tinha ido se exilar na casa que tinham em Capão. Naquela época não tinha celular, as informações demoravam bem mais pra chegar. No final do dia, finalmente, a notícia de que o Seu Heitor realmente tinha se recolhido à casa de Capão. E lá, num ato de profundo egoísmo e falta de humildade pra pedir ajuda, cortara os pulsos. Deixava assim, além de todas as contas, a dor tatuada na mulher e nos três filhos.
A comoção lá na rua foi geral. Todos trataram de consolar Dona Carla e seus filhos. Depois de um tempo, a família conseguiu reverter a situação financeira e até hoje vivem muito bem. Aliás, a casa da Dona Carla é a mais simpática de toda a rua. Mas ainda tinha o velório e o enterro do Seu Heitor, que foi lá no João XXIII.
Minha mãe era muito amiga da Dona Carla. Mas meu pai não quis acompanhá-la no velório. Aí ela me convidou. Fomos com um vizinho, o Seu Fernando. Era uma noite chuvosa e fria de uma quarta-feira de agosto. Desci correndo do Del Rey do Seu Fernando e me abriguei embaixo de uma marquise. Nunca vi tanta gente lá da rua reunida. Minha mãe me deu a mão e nos aproximamos da capelinha onde acontecia o velório.
Tinha uma fila enorme de pessoas que chegavam até a Dona Carla, falavam baixinho no seu ouvido, abraçavam-na e saíam. Resolvi que ia entrar na fila e acompanhar a minha mãe. Fiquei à frente dela. Só que tinha um porém: eu Não sabia o que se dizia a uma viúva numa hora dessas. E não quis perguntar à minha mãe. Ah, e eu era a única criança presente. Fiquei ali, quietinho na fila esperando a minha vez. Tentava escutar o que diziam, mas não tinha como.
Faltava só uma pessoa, o Seu Agostinho. Foi lá, sussurrou, deu um abraço e saiu. Era a minha vez. Eu já estava um pouco tremendo pelo frio que fazia. Não tinha a mínima idéia do que se falava naquela ocasião. Me aproximei. Dei os quatro passos que separavam o primeiro da fila até a poltrona da Dona Carla. Abracei-a, puxei ar pra pegar um pouco de fôlego e soltei, de uma só vez:
- Meus parabéns!
1 comment:
Consultei o Dicionário Aurélio pra saber o q significava Raul na Infância: Joselito Sem-Noção!!!!!
Taix Lôco!!!!
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