Wednesday, September 13, 2006

Extensão do domínio da luta...

Eu lia um trecho de Extensão do Domínio da Luta, do Houellebecq, quando percebi tratar-se de uma leitura típica do Rivo. Não lembrei-me dele pelo comportamento descrito, mas pelo tipo de leitura mesmo.

Assim que li, pensei: isso é a cara do Rivo, vou ligar! Quando ohei pro telefone, lá estava: 1 chamada não atendida - Rivo. Coisas desse tipo me deixam intrigado!

Eis o trecho:

Numa noite de dezembro (não trabalharia na segunda-feira, pois tinha tirado, contra sua vontade, quinze dias de férias "para as festas"), Gérard Leverrier voltou para casa e meteu uma bala na cabeça.

A notícia da morte dele não surpreendeu ninguém na Assembléia Geral, onde era, sobretudo, conhecido pelas dificuldades que tinha para comprar uma cama. Fazia alguns meses que ele se decidira a fazer a tal compra, mas a concretização do projeto se apresentava impossível. A anedota era contada, geralmente, com um leve sorriso irônico; porém, não havia motivo para riso; a compra de uma cama, na atualidade, apresenta, efetivamente, consideráveis dificuldades e pode mesmo levar alguém ao suicídio. Antes de tudo deve-se prever a entrega e, portanto, tirar uma manhã de folga, com todos os problemas ocasionados por isso. Às vezes, os entregadores não aparecem, o que nos obriga a pedir mais uma tarde de folga. Essas dificuldades se reproduzem com todos os móveis e eletrodomésticos; o acúmulo de aborrecimento resultante pode bastar para perturbar seriamente um ser sensível.

Mas a cama, entre todos os móveis, cria um problema especial, eminentemente doloroso. Se quisermos manter a consideração do vendedor, temos que comprar uma cama de casal, útil ou não, tenhamos ou não lugar para ela. Comprar uma cama de solteiro significa confessar publicamente que não se tem vida sexual e que não se pretende ter uma no futuro próximo (pois as camas duram, nos dias de hoje, muito tempo, bem além do prazo de garantia, entre cinco e dez, ou até mesmo vinte anos; é um investimento sério que o compromete praticamente para o resto da vida; as camas duram, em média, bem mais tempo que os casamentos, como se sabe bem mais). Mesmo a compra de uma cama de 140 cm de largura o faz passar por um pequeno-burguês mesquinho e limitado. Aos olhos do vendedor, a cama de 160 cm é a única que merece ser comprada; só assim você tem direito ao respeito dele, à sua consideração, quem sabe até a um leve sorriso cúmplice, exclusivo para as camas de 160.


Já tinha ouvido falar sobre o trecho, mas não tinha noção do quanto era envolvente e verdadeiro. Diariamente passamos por situações do tipo. Obviamente não culminam em suicídio, mas certamente numa morte momentânea onde a única coisa que se deseja é chegar em casa. Desistimos de negócios que empacam em burocracias ou pessoas ignorantes. Em outras situações, desistimos de fazer alguma coisa por criar mil dificuldades que, de fato, não existem.

Isso sem contar nos "parâmetros" pré-determinados aparentemente por ideais capitalistas de consumo, mas com uam boa dose de auto-afirmação por trás.

O óculos de natação tem que ser do tipo competição, anti-embaçante, senão não seremos vistos como nadadores de respeito, e sim comparados aos velhinhos da hidrginástica; os pneus do carro com sulco pra chuva e travas para terrenos acidentados nos dão a impressão de quem vai viajar no final de semana; até mesmo o mouse do computador, se não for com a luzinha embaixo (não digo infra-vermelho porque infra-vermelho é invisível), não seremos vistos como peritos da informática, que usam programas de ponta em empresas totalmente informatizadas; e a cama.. a cama, obviamente tem que ser de casal, de preferência com 160 cm de largura.

2 comments:

Anonymous said...

Já estou louco para ler esse livro, me empresta depois?? Bah, hoje mesmo inicio uma nova leitura, tu me inspirou, vou procurar um Douglas Adams, Bukowski ou algum outro autor que tenho em casa para talvez, até reler uma boa obra de literatura.
"A leitura, para mim, sempre foi essencial. Na minha fase mais calma eu lia de quatro a cinco livros simultaneamente, aproveitava todos os minutos livres: quando acordava mais cedo, indo para a faculdade no ônibus, nas esperas em salas de dentista, médico ou reunião. Sinto apenas não ter mais horas no dia e mais anos em minha vida para ler tudo o que eu gostaria. A literatura tem algo de mágico, permite viajar, no melhor sentido da palavra, ingressar no pensamento alheio, vivenciar outras experiências. E também é revolucionária, no sentido de permitir a transformação da vida. Há livros fundamentais. Depois de lê-los, o leitor nunca mais será a mesma pessoa. A vida é um aprendizado contínuo, que começa no nascimento e não termina nunca. Cada autor ensina algo e todos os dias há uma informação que pode alterar uma trajetória, fornecer nova estratégia, sugerir um outro olhar sobre as mesmas velhas coisas. Assimilo e sou influenciado por todo e qualquer ensinamento aproveitável, principalmente pelos livros."

Anonymous said...

É o segundo blog gaúcho que vejo falar de Houellecq..é febre no RS???(nem sei se escrevi certo!!)

Minhas fotos no