Foi-se o tempo em que minha agenda era mantida aberta ao meu lado na respectiva página da semana, fosse aqui no escritório ou durante a aula. Me acompanhava onde eu fosse, igual aqueles vira-latas de carroceiros que não o abondanam nunca. Nem pra correr atrás de uma cadela de madame emperiquitada e no cio. Nem aí, eles abandonam o dono. E olha que um cachorro enlouquece quando há uma cadela no cio nas redondezas. Os cachorros desses carroceiros são sempre fiéis e presentes aos donos, podem observar. Pois assim era a minha agenda. Até poucos dias isso.
Mas quem a abandonou fui eu. Deixei-a trancada nas trevas da minha mochila sem água nem comida por duas semanas. Todas as minhas anotações lá, em vão. Quem sabe até algum aniversário de um amigo! Todas aquelas páginas, ávidas por algum compromisso, em branco. Até as notinhas de rodapé, nem elas eram mais úteis nessas duas semanas. E senti na carne. Tive que fazer três provas esta semana. Duas delas fiquei sabendo quando entrei na sala – atrasado – com minha latinha de coca.
Fui lamentar minhas angústias por não ter me preparado melhor, e desdenhar da utilidade da minha agenda olhando pro nada do saguão da Famecos. Aliás, onde era pra ser um nada havia, lá, uma latinha de refri. Não era a minha. Aquela já habitava o cesto da 314. Essa outra, já vazia, tinha a liberdade que a minha agenda não tivera. Inversão total de valores. Certo que a lata, politicamente correta, gostaria de estar descansando dentro do tonel azul de lixo seco. Ali, ela se divertiria com outros amigos, como a carteira de cigarros e a embalagem de Ruffles.
E ela bem que tentou. Se insinuava para todo e qualquer transeunte passante. O que ela recebia? Um chute, no máximo! E ia habitar outra lajota vermelha. Destoante em meio à imensidão lisa e vermelha do saguão chorava as últimas gotas de refri. Até que tomou um chute mais forte, e mais outro. Seria ela improvisada como bola para uma partida entre os famequianos? Não. Era, finalmente, alguém com um mínimo de tino e boa dose de bom humor. Chutou a latinha perdida até a frente do tonel azul de lixo seco, juntou-a e ali a depositou.
Era motivo pra comemorar. E não seria no saguão, onde eu havia me lamentado. Sentei-me à mesa de um bom boteco, pedi a minha Polar e vibrei pela lembrança da agenda e pela moça que jogara a latinha no lixo. Vagava eu, agora, em uma camiseta verde lisa que acabara de ver. Camisetas verdes, sem estampa, me fazem lembrar do Cebolinha. Uma vez vi numa festa à fantasia um cara que foi de Cebolinha. Aí, sempre que me deparo com uma camiseta verde faço alusão ao desenho do Maurício.
E eu já vi várias pessoas usando camiseta verde. Já vi gordo, alto, senhora, baixinho... de tudo! Mas essa camiseta verde era bem mais delicadamente modelada. Era justinha até, nada a ver com a do Cebolinha, mas como era lisa e de um verde vivo, com mangas e ribana, me fez lembrar assim mesmo. Era, sem dúvida, a melhor camiseta do Cebolinha que já vi. Como pode...? Uma mulher tornar sensual até as roupas dos nossos personagens infantis!
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