Tuesday, April 04, 2006

Numa madrugada, num quarto frio...

Aos amigos recorri quando fui tomado pela falta de tudo, apesar do tudo que me era oferecido. Era uma manhã de atípico frio de março e a noite anterior fora marcada pelo medo de caminhar algumas quadras numa rua de poucas casas com a iluminação falha. Na lembrança as mesmas risadas inéditas dos mesmos amigos surpreendentes como companhia. Naquela noite, ao contrário das outras, havia me deitado cedo. Não sei ao certo que horas eram quando duas sensações insuportáveis me acordaram e ao mesmo tempo me prenderam à cama. As poucas horas que passaram desde que adormeci serviram pra fazer os rins trabalharem e preencherem todo o volume da bexiga; e o cair brusco da temperatura não fizeram conhecimento do fino lençol que me cobria.

Uma imensa força não foi suficiente pra conseguir abrir os olhos. Estaria ainda dormindo enquanto o corpo sofria aquelas sensações desconfortantes? As forças então foram usadas pra tentar acordar com o auxílio do corpo que tremia sem parar e das pernas unidas uma à outra pra não molhar a cama. Os olhos, enfim, se abriram. Mas o corpo insistia em tentar abraçar mais o fino lençol em vão. Parecia que o frio aumentava. Recobrei o tino e me levantei. Notei que a janela ficara aberta e por isso uma brisa muito fria invadia o quarto naquela madrugada. Fui ao banheiro e depois estendi o cobertor que hibernava no roupeiro. Enrolei-me feito um lagarto no casulo e adormeci, permanecendo assim por mais umas cinco horas.

A manhã já se fazia quente novamente e alguns raios de sol faziam fachos de luz por entre as frestas da veneziana culminando em algum desenho estranho na parede, próximo à tomada. Em vã tentativa de decifrá-los refletia sobre tudo o que estava ao meu redor e como eu estava me sentindo em relação a essas coisas. Foi então que percebi que minha agenda mental não era suficiente pra dar conta de tantos afazeres, tantos amigos, tantos sentimentos conflitantes, tantas coisas pra dizer, mas nenhuma palavra pra expressar. Uma vontade de fugir e uma saudade de ficar. Pensamentos, sensações e sentimentos dúbios, reversos, imersos num mar confuso e turbulento.

Se as coisas não fossem amarradas seriam muito mais fáceis. E não teriam nenhuma graça. Tudo causa, tudo implica. E como tudo que nos satisfaz plenamente depende de alguém, tudo o que fizermos repercutirá uma reação. Boa ou ruim. Às vezes ruim sem que tenhamos vontade de que acontecesse assim. Às vezes boa demais sem que desejássemos que acontecesse assim. Digo que depende de alguém porque posso achar que me satisfaço plenamente com o sol que nasce no horizonte do oceano, mas logo preciso compartilhar esse momento. Tudo o que sentimos passa por uma necessidade de ser exposto.

Talvez a dor seja guardada. Por vezes é. Talvez por querer preservar a reação de quem está próximo a nós. Já o riso geralmente é exposto e quer ser muito compartilhado. Intensificado se for possível. Mas nesse momento eu estava só. Eu, o fino lençol, o cobertor que me salvou, o desenho feito pelo sol na parede e todo o universo do meu quarto. Nada podia ser compartilhado, nem mesmo um sorriso que não aconteceu. Nem mesmo uma lágrima. Nem o calor do corpo que agora não mais precisava se cobrir. Nem o brilho dos olhos nem o quente dos lábios.

A vida toma sentido pela esperança de que nada disso transborde e se perca. Que nada disso vá embora, apenas acumule. Até mesmo a dor, porque ela valorizará a vitória de cada batalha. Mas que principalmente se acumule os sorrisos que provocarão outros, as lágrimas que farão chorar outros olhos, o calor do corpo, que junto a outro parecerá febril, o quente dos lábios que em outros lábios.. braços estarãoa eriçar e olhos a se fechar, olhos que destes que brilham.. por estes se farão perder.

1 comment:

Anonymous said...

Brilhante.. quase um devaneio.

Minhas fotos no