Friday, July 07, 2006

Esse cara..

Fazia horas que eu torcia pela presença do Régis nos nossos churras. Ele até compareceu em alguns na Associação, mas não é a mesma coisa. Quando tem muita gente fica todo mundo disperso, e uma das coisas mais legais no Régis são as histórias que ele conta. Na verdade, pode-se dizer que a vida desse cara é uma história, onde a cada dia surge um episódio inédito.

Aí fizemos um churras de menor impacto e o dito apareceu. Ele e suas histórias incríveis. Todas elas na manga, prontas para deter a nossa atenção e encher o ambiente de riso. Não demorou e ele desatou a contar da vez em que foi dar uma banda de bicicleta com uma namorada do Parcão até a zona sul, acompanhados de uma garrafa de Daikiri Bacardi. Ela tomou um trago e caiu tanto tombo na bicicleta que ele perdeu as contas. E assim foi.. a da boca na calcinha, a do balão, da gata Morgana.. uma melhor que a outra.

O mais interessante é que as histórias não são mirabolantes, são fatos do cotidiano, que para pessoas como ele – um pouco atrapalhadas – ganham requintes por vezes desatrosos. Mas o que mais prende, sem dúvida, é o jeito com que ele as conta. Ele pode contar 34 vezes a mesma história, e nas 34 prenderá o mais disperso fio de atenção e fará brotar risadas de todos os cantos ecoantes da boca. Segundo uma amiga que também estava na platéia do churras: “eu já ouvi muitas vezes essa história, e cada vez é diferente de ouvir..”

Por vezes me pergunto também.. como pode algumas coisas serem, na lógica, tão iguais, mas no momento, sempre diferentes, e nunca deixarem de ser boas. Melhores, aliás..

Aproveito o momento para registrar aqui, um texto desse cara. Um cara que quem conhece logo vê tratar-se de uma pessoa ímpar. Não apenas por essas histórias, mas por fazer dos momentos simples da vida episódios divertidos, de colocar exclamação no final de todas as frases. “Ele fala com exclamação..!” Disse Alice.

Aprendiz de Palhaço

Régis

Acendem-se os refletores !
Abrem-se as cortinas !

- Respeitável público ! ! ! !

O ambiente todo é envolvido por uma música característica, inconfundível, que identifica bem e se mescla em harmonia com todo o espaço, dando ao conjunto um toque de magia e expectativa. Passam a desfilar em frente à platéia vários artistas caracterizados conforme a sua função, a sua especialidade, ao aplauso incessante do público curioso pelo espetáculo que vai iniciar !

São eles, trapezistas, malabaristas, domadores, ilusionistas, mágicos, palhaços. Por um momento imagino o que deve estar se passando no pensamento de cada um deles, na expectativa também deles de como irão se comportar os espectadores diante do show que será apresentado. Imagino e tento me transportar para o papel de cada um, tentando imaginar como me sentiria eu se estivesse tendo que interpretar cada um dos papéis dos personagens que ali estão se apresentando. Conforme vou imaginando, passo a verificar que também eu participo de um grande espetáculo. Um espetáculo em que diariamente estamos fazendo parte, e nem notamos. Um espetáculo em que participamos com várias características diferentes umas das outras, conforme a situação apresentada, fazendo em cada situação um papel diferente.

Muitas vezes sou anfitrião da apresentação, com todas as pompas e regalias pertinentes à mesma, tendo a honra de recepcionar os meus convidados com toda a atenção que merecem. Sou o dono de um universo diminuto, mas soberano sobre as atividades executadas, sendo o responsável pela harmonia e bem estar em que estão envolvidas as pessoas que foram convidadas à participar da cerimônia. Sou o soberano de um feudo imaginário onde estão presentes ao meu redor pessoas que me são muito importantes, e por isso merecem a minha maior atenção e minha sincera admiração.

Em outras vezes sou o domador, enfrentando um leão à cada dia, tendo sempre como desafio a certeza, a desvantagem da minha fragilidade e a confiança em mim mesmo.
Sou sabedor que a batalha é diária e constante, que não poderá ser deixada para mais tarde sob pena de esse tempo demorar muito a chegar, e eu estar mais velho e conseqüentemente mais fraco fisicamente quando vir a acontecer, dando muita vantagem para o inimigo. Sou sabedor de que poderei até perder a luta, mas que só saberei isso se tiver tentado ao menos uma vez. Sou sabedor de que mesmo tentando e perdendo uma vez, só poderei vencer a luta se tentar novamente.
E inteligente o suficiente para saber que se já tentei uma vez, e fui derrotado, tenho grande chance de obter a derrota novamente se tentar da mesma maneira.
...
Em outras vezes sou o alimentador de animais, que continua perseverante e dedicado nas minhas atividades, mesmo sabendo que jamais serei valorizado pelos meus serviços. E mesmo fazendo uma atividade que muitas vezes não é valorizada, e nem mesmo notada, tenho consciência que meu papel é muito importante para alguém, mesmo sabendo que essa pessoa seja a que realmente recebe os aplausos do público, como no caso do domador, quando coloca a sua cabeça na boca do animal.

Muitas vezes me apresento como malabarista, tentando equilibrar muitos problemas ao mesmo tempo, mantendo a serenidade para que consiga manter a estrutura o mais estável possível, porém sendo sabedor de que o pilar que sustenta tudo poderá romper-se num pequeno toque colocando a baixo toda uma estrutura que apresenta-se bastante sólida. Talvez, realmente o motivo a que leva a estrutura a continuar sólida é exatamente essa magia de conseguir transmitir a sensação de robustez, embora tenha sensação de fragilidade, não deixando transparecer para os que se apóiam nela.

E em algumas outras vezes me apresento como Palhaço. Isso mesmo. Palhaço! Palhaço que soa muitas vezes como ofensa, deboche, desprezo! Em muitas vezes cheguei até a usar essa característica para xingar alguém, não imaginando que com a passar do tempo, isso soaria para mim como o maior dos elogios. O Palhaço é simplesmente um artista, talvez o maior artista. Ele tem o dom de na simplicidade do seu ofício, conseguir transformar a realidade em sonho, ou talvez, o sonho em realidade, deixando aflorar apenas o lado inocente de nossas vidas, o lado criança, o lado alegre que possuímos, e que muitas vezes são afogados por todas as outras caracterizações.

Deixa aflorar o sonho que escondemos por estarmos envolvidos em uma vida agitada, corrida, de inversão de valores, de agressões e diferenças, o sonho de uma realidade que está presente dentro de nós mesmos, uma realidade que apenas ficou de lado, renegada por valores que nem mesmo nós sabemos por que modificamos. Sou um desses artistas que, tentam resgatar um pouco da simplicidade da vida, do sorriso estampado pela simples satisfação e alegria de se poder sorrir ! Do prazer de se poder dar uma boa gargalhada, mesmo que já se conheça o motivo, a história, a piada !

Pensando bem, não posso me comparar com um Palhaço, não posso ter essa pretensão, não tenho toda a bagagem necessária para assumir essa responsabilidade, sou isso sim apenas um aprendiz de Palhaço ! Alguém que tenta descobrir em cada um esse lado afogado, reprimido, deixado de lado, que tenta obter de cada um sorriso alegre, despreocupado uma risada gostosa, debochada, uma gargalhada desenfreada!
Alguém que com a ajuda dos amigos, consegue montar o seu circo sempre que tem oportunidade, e repassa velhas e conhecidas piadas e histórias, sempre bem aceitas pelo pequeno público que se apresenta, e que mesmo já conhecedor do final que se aproxima, retribui com uma participação talvez mais importante do que a participação do projeto de artista, premiando com uma risada o todo o esforço dedicado.

Devemos todos tentar ser um pouco Palhaço, um muito Palhaço, sempre que pudermos devemos distribuir alegrias, sorrisos, felicidade. Só dessa maneira seremos recompensados com o mesmo presente ofertado.
E, quando algum dia eu tiver a certeza de que consegui fazer todo mundo feliz, quando eu conseguir arrancar de cada pessoa um sorriso de satisfação, uma risada liberada, uma gargalhada despreocupada, e principalmente quando eu tiver a certeza de não fui o motivo de uma lágrima no rosto de quem quer que seja, que eu não tenha feito mais ninguém triste, neste dia eu poderei ser promovido a Palhaço.

E aí sim, quando fecharem-se as cortinas e terminar o espetáculo, quando todos retornarem para às suas residências, podem ter a certeza que é esse aprendiz de Palhaço, a pessoa mais feliz!
...
Acendem-se os refletores !
Abrem-se as cortinas !

- Respeitável público ! ! ! !


Porto Alegre, 08/12/2004

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