Wednesday, November 22, 2006

Um simples crachá...

Trabalho há nove anos nessa empresa, e até hoje não consigo me adaptar a alguns “processos”, como denominam. Desde que entrei aqui muita coisa mudou. Mudou horário, mudou endereço, mudaram pessoas. Menos o salário, esse sim poderia ter mudado. Mas tudo bem. Ruim com ele, pior sem.

Por graças nunca tivemos uniforme, embora uma vez eu tenha tentado padronizar minhas roupas de trabalho. Comprei três camisas e três calças azuis. Iria me vestir todos os dias assim: calça e camisa azul. A calça num tom mais escuro, quase azul-marinho.

Minha idéia não teve um dia sequer de êxito. Meus colegas mais próximos, assim que lhes contei sobre a compra, me fizeram entender que ninguém - senão eu e eles - saberia que eu tinha três conjuntos daquela roupa e iriam achar que eu vestia sempre a mesma. E mais: se soubessem, aí sim me achariam um louco.

Por sorte não eram de boa qualidade e em pouco tempo acabei doando tudo pra campanha do agasalho. Poderia ter ao menos tirado uma foto com meu traje personalizado enquanto era novo. Aliás, tenho pouquíssimas fotos aqui do trabalho.
Uma coisa que mudou muito pouco para os demais e muito pra mim foi um pequeno retângulo plástico com um chip dentro: o crachá. O crachá! Tão pequeno e tão problemático... Há quem diga que o telefone é mais problemático. Até já foi. Mas esse último está durando bastante.

Há uns três anos teve uma sessão de fotos para o novo crachá com a nova marca da empresa. Crachá com chip interno e foto impressa, tri tecnológico. O ponto seria registrado apenas aproximando o crachá; as portas dos andares dariam acesso apenas ao pessoal do setor, todas essas facilidades que o tal chip poderia proporcionar. Ah, e as fotos seriam armazenadas em um banco de dados para facilitar uma eventual confecção de segunda via.

Mal sabiam eles (trato eles os detentores do poder, aquelas pessoas pelas quais passam a maioria dos processos burocráticos da empresa) que seriam tantas segundas vias, no meu caso. A segunda via mesmo eu nem lembro por que pedi. Acho que o meu crachá já veio em segunda via.

Um dia eu voltava do serviço da rua e fui pegar o crachá pra passar na catraca da portaria. Nada num bolso, nada no outro, nada em lugar nenhum. Tive que entrar com a identidade. Passei uma semana procurando e nada.

Pedi outro. (perdi outro)

Aí começaram os problemas. Tive que ligar pra um tal de Mr. Bean, como é conhecido nos bastidores. Um dos responsáveis pela segurança.

- Mas tu já pediste uma segunda via.
- Sim, eu sei. Mas eu perdi.
- Perdeu onde?

A velha pergunta...

- Não sei mesmo.
- Pois bem, me mande um email explicando o caso com uma justificativa.

Uma semana depois eu estava com meu crachá. Meu terceiro crachá. Eu havia ficado quase duas semanas me identificando na portaria e me desdobrando nos andares, pois os crachás de visitante só dão acesso a um andar específico. Cansei de ficar trancado no corredor entre o elevador e a porta do andar...

- E aí, Raul, o que anda fazendo por aí?
- Ah.. tô esperando o elevador! Mas que desligado que sou, esqueci de apertar o botão.

E voltava ao meu andar. Quando era muito urgente pegava carona com o crachá de quem estivesse passando. Mas, enfim, estava com meu crachá novinho em folha. Dois meses depois fui transferido e os carros iriam pra revisão. Naquela manhã o motorista, que havia tirado algumas coisas dos carros, veio na minha direção.

- Ó! Acho que isso é teu!
- Bah, obrigado! Onde estava?
- Tava caído embaixo do tapete do carro.

Eu, que antes estava sem o crachá, agora estava com dois! Dei jeito de dar sumiço em um, já que não funcionava mais. Não lembro ao certo quanto tempo durou, mas lembro a situação. Acabava de voltar da praia do Rosa com uns amigos. Isso era março de 2005. Logo depois que me largaram em casa o Pitoko me ligou avisando que tinha sido assaltado. Levaram o carro com tudo, inclusive a minha carteira que eu tinha esquecido no porta-luvas. Meu crachá estava dentro da carteira. Juro que foi o que mais senti falta.

Agora eu não tinha culpa de ter perdido. Afinal, assalto é assalto! Tudo bem, eu não precisava ter esquecido a carteira no carro, mas também podia ter sido assaltado junto.
Aqui eu chegava no auge da problemática: quando um caso de resolução aparentemente simples toma os sentidos de maneira a ensaiar desculpas a si mesmo. Por sorte, o respaldo do assalto era forte, e me fez seguir o processo do pedido.

Dessa vez sim, o senhor Mr. Bean reclamou como um irmão mais velho que nega uma bolachinha recheada ao caçula. Como se ele tivesse que tirar do próprio bolso uma quantia significativa para a produção do meu crachá. E era tão simples: achar meu nome no banco de dados e mandar imprimir um novo. Automaticamente o antigo não funcionaria mais. Mas de simples não teve nada. Tive que registrar ocorrência na polícia e mandar uma cópia, além de – novamente – explicar o caso por email. Mais de uma semana depois veio a resposta:

“Seu quarto crachá está à disposição no departamento de segurança.”

Aquele “quarto crachá” teve um peso tão grande que prometi: não mais passaria por aquela situação. Pelo menos enquanto seu Mr. Bean estivesse no “comando” da segurança. O caso deixava seqüelas. E o inevitável aconteceu. Em fevereiro desse ano, quando fui pro Rio, usei em alguns estabelecimentos o crachá como Identidade, uma vez que tinha o RG impresso. E em algum desses lugares devo tê-lo deixado.

Só fui me dar conta quando já estava em Porto Alegre, aí já era tarde. E eu é que não ia pedir outro. Azar! Todas as vezes que tinha que entrar no prédio sede me submetia àquela identificação com o RG e foto do computador. Aliás, que troço chato esse “Senhor, olha pra câmera!”

Assim fiquei. Quando ia a alguma outra empresa já me identificava com a identidade e dizia o nome da empresa. Mas sempre ouvia: “Posso ver o se crachá?” Dava vontade de dizer que tava lá no Rio, mas não. Respondia apenas que não tinha. Atrasava um pouco a entrada, mas dava certo. Isso até a semana passada. Tive que pedir para a segurança uma liberação para o pessoal de uma terceirizada e me indicaram uma funcionária. Fiquei contente por não ser o Mr. Bean. Aproveitei e perguntei como era o procedimento para pedir o crachá.

- Ah, é comigo mesmo! (cheguei a suspirar)
- É? E como eu faço?
- Me dá teu nome completo e a gente marca um dia pra tu vir bater a foto.
- Não.. te dou o número da matrícula. Já deve ter todos os dados aí.
- Ah.. é segunda via. Aí não é comigo.. (tava bom demais)
- Hum. E com quem é?
- É com o Fábio Irineu, no ramal 389.
- Tá, obrigado!

Pelo menos não era o Mr. Bean! Liguei para o tal Fábio Irineu.

- Alô!
- Fabio?
- Sim!
- Fábio, aqui é o Raul.. blá blá blá.. crachá .. blá blá blá.. segunda via..
- Tá. Faz o seguinte: explica isso num email e manda pro Mr. Bean.

Juro que quase chorei! Mas uma hora isso teria que acabar. Não poderia viver atrás de um medo de algo que não tinha acontecido. Estava decidido a conseguir meu crachá. Ia mandar o tal email, e se o Mr. Bean resolvesse complicar iria ouvir. Afinal, um funcionário não podia ficar sem a identidade funcional, oras! Em último caso faria o pedido pelo meu coordenador, e aí queria ver ele reclamar do meu “quinto crachá”. Esperei chegar a hora de ir embora. Escrevi o email com “CRACHÁ” no assunto e saí. Queria esquecer daquilo pelo menos até o dia seguinte, e aproveitar minha noite como se nunca houvera problema algum com meu crachá.

Na manhã seguinte nem lembrava mais. Liguei o micro e, como de costume, uma lista com vários documentos não lidos. Entre eles um se destacava: “Re: CRACHÁ” E minha manhã, que começara tão boa, logo se encheu de todas aquelas preocupações de como eu responderia à altura aquele sósia do Mr. Bean. Era, sem dúvida, o auge da problemática de novo. A relação com o Mr. Bean se tornava quase pessoal. Mas eu precisava abrir o email. Enchi o peito, fechei os olhos por um instante e li:

“Ok, estamos providenciando um novo.

Abraço!”

4 comments:

Anonymous said...

Este Mr Bean deve ter pensado: é um mala esse Raul!!! Toma ai e me deixa em paz. hehehehhe...
Impressionante como coisas simples se transformam numa preocupação enorme. Todo mundo já passou por isso! beijos! Pi

Anonymous said...

HA HA HA

Eu já tava imaginando algo do tipo: Seu ULTIMO crachá...kkkkk

Boa Raulzito...mto boa!

Bjos

Anonymous said...

agora eu sei o motivo da criação da "taxa de R$ para pagamento de 2ª via de crachá funcional"

Virgínia Rhodenbusch said...

Raul, querido! Não sei se tô numa fase muito sentimental, ou... enfim... interessa é que chorei lendo teu comentário no meu blog. Veja só! E, não só pra retribuir, mas quero registrar: eu acho que tu escreve muito, mas muito bem. Profundo, ao mesmo tempo engraçado, muitas vezes nostálgico, mas sempre inspirado. Dá pra ver que tu escreve sem pressa. E isso faz toda a diferença. Uma delícia.
Pra mim é, de verdade, uma grande honra te ter como grande leitor e divulgador do meu humirde bróg.

Ah! Aviso importante: irei no show do roupa nova de última hora. "semi-ganhei" os ingressos ontem. Talvez a gente se veja lá! abraçãããão!

Vi

Minhas fotos no