Monday, February 18, 2008

Esse cara...

As mais remotas lembranças que tenho do meu pai são de um homem que me dava uns trocados pra buscar uma carteira de LS longo no armazém do Seu Herny Meneguzzi. Eu sabia que não fazia bem fumar, então relutava que não iria. Mas meu pai, sempre sério, me olhava sério e ordenava:

- Vai lá, guri.

Então eu ia e buscava o LS. Vez ou outra, mais pro final da tarde, também buscava o pão, o leite de saquinho e as deliciosas roscas açucaradas da Dona Rosa. Nosso café da tarde era uma refeição para um guri mirradinho como eu era. Tanto que à noite não queria jantar. E mesmo sem fome tinha que ficar à mesa até que terminasse a janta. O prato era, na maioria das vezes, o que até hoje é servido na casa dos meus pais: arroz, feijão e carne, ora de panela, ora um suculento bife.

Lembro também de duas ocasiões em que me levou ao Beira-Rio pra ver o Inter no Brasileiro de 87. O primeiro jogo foi contra o Fluminense, na segunda fase, onde o Inter acabou perdendo por 1 x 0. O segundo foi a final contra o Flamengo. O jogo acabou empatado em 1 x 1 e o Flamengo venceu o jogo de volta, no Maracanã, e foi o campeão. Naquela época se ia pro estádio ao meio-dia e o jogo só começava às cinco da tarde. Nesses dois jogos o público foi superior a 65 mil pagantes. E eu não entendia nada, só sabia que o Inter tinha que ganhar. E não ganhava!

Pode ter demorado quase 20 anos, mas aquele presente que meu pai quis me dar, de ver o Inter Campeão veio com todos os juros e correções a Libertadores e o Mundial de 2006. Agora eu queria esses títulos com gana, mas também com muita vontade de que ele, que me fez Colorado, com orgulho, presenciasse esses feitos.

Às vezes tento lembrar mais, e chego a pensar que recordo do meu primeiro aniversário. Não passa de sons e murmúrios sem uma imagem concreta, talvez formada pelas fotos, quase sempre no colo dele. Sorrindo. Os primeiros sorrisos do homem que levantava o quarto filho no colo. Quatro anos mais tarde ainda viria a Karina, minha irmã e mais os nove netos que hoje enchem a casa de folia nos finais de semana.

Se as lembranças mais remotas são de um momem sério, por vezes bravo, o cara que eu vi sábado, quando comemoramos seu aniversário de 80 anos – que foi no domingo – era puramente alegria e descontração. Nos meus trinta anos de convivência com esse cara, poucas vezes fiquei tanto tempo ao seu lado, principalmente depois da adolescência, quando nos distanciamos bastante. A vida nos fez adultos sem que aproveitássemos as oportunidades de nos tornar íntimos. Assim, hoje somos pai e filho, amamos um ao outro, mas não temos ligação que nos permita conversar sobre assuntos que não sejam amenidades. Acho que isso não faz falta, agora.

No sábado, depois de todos esses anos, depois de anos e anos de história e histórias de cada um dessa família, apreciamos uma festa simples, com churrasco, cerveja e bolo. Tudo meio no improviso, com tralheres, copos e pratos diferentes, com cervejas de marcas diferentes, mas com sorrisos diferentes, também de improviso. Colocamos as cadeiras na frente da casa e ali nos sentamos e ouvimos peças do cotidiano e outras histórias rebuscadas por meu pai. Ali bebemos e rimos. Cantamos parabéns e batemos fotos. Ali brindamos os 80 anos desse cara.

2 comments:

Anonymous said...

Um dos aniversários mais legais que já fui também foi de 80 anos. Só que do meu tio-avô, em Minas.
Ouvir histórias de pessoas como essas é, realmente, muito legal.

Abraço

vitor said...

propagandas de dia dos pais me comovem. filmes cujos roteiros exploram a relação de pais e filhos costumam me dilacerar. tudo porque minha relação com o meu pai foi um fracasso. e essas coisas custam a passar, ou sarar, ou serem sublimadas. teu texto é belo, e que bom que pudeste brindar os 80 anos do teu pai, com tantos sorrisos diferentes, tantos improvisos, tantos rótulos de distintas cervejas.

Minhas fotos no